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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Educação

Educar, um ato político

O educador português José Francisco Pacheco vê a educação como um processo coletivo e aberto, sem as delimitações de boletins, séries, provas, listas de chamada e toques para intervalo. O modelo vigente, segundo ele, está ultrapassado há 200 anos.  Através dessa visão libertária, nasceu há 36 anos em Portugal a Escola da Ponte, um projeto bem-sucedido e ousado que propõe uma total revisão do que se aplica habitualmente nas salas de aula. A experiência tem seus ecos no Brasil, e também em Natal. Pacheco veio à capital potiguar por ocasião do 6º Seminário Prazer em Ler, e aproveitou para discutir, de forma contundente, as ideias para uma nova forma de educar.

"As escolas ainda trabalham de modo burocrático, com o  administrativo se sobrepondo ao pedagógico. É por isso que não funciona. Os alunos não aprendem", dispara José Pacheco, na sala de reuniões da Escola Estadual Hegésippo Reis, em Nova Descoberta. A escola funciona desde 2007 com o projeto Casa de Saberes, que é livremente inspirado na experiência da Escola da Ponte. Desde 2001 Pacheco se movimenta entre idas e vindas pelo Brasil, e há seis anos decidiu ficar por aqui de vez. De forma prática, ele vem difundindo sua visão de processo educativo por 59 municípios brasileiros - em vários casos, obtendo resultados sólidos.

Ele viveu nas ruas de Portugal e foi líder de gangue. Hoje, o respeitado educador e consultor José Pacheco tem revolucionado os moldes tradicionais de ensino com a criação da escola da ponte

Ele viveu nas ruas de Portugal e foi líder de gangue. Hoje, o respeitado educador e consultor José Pacheco tem revolucionado os moldes


O trabalho proposto pela Escola da Ponte sempre provoca surpresa à princípio. "Quando comecei, em 1976, me chamavam de irresponsável e louco", ressalta Pacheco. No modelo português, não há séries, ciclos, turmas, manuais, testes e aulas. Os alunos são agrupados de acordo com interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Há estudos individuais, depois compartilhados com os colegas. Se há duvidas, o estudante pode recorrer a qualquer professor para saber a resposta, e caso este não saiba, é encaminhado a um especialista. Não há salas de aula, mas espaços educativos. Cada aluno procura pessoas, ferramentas e soluções, testa seus conhecimentos e convive com os outros.

Os professores desse sistema, diferente das escolas tradicionais,   não são responsáveis por uma disciplina ou por uma turma específicas. Os próprios estudantes definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, individuais ou em grupo. Os alunos criam as regras de convivência que serão seguidas, incluídos educadores e familiares. As atividades são atreladas a três valores: liberdade, responsabilidade e solidariedade. "A Ponte é uma escola autônoma, o estado não manda", ressalta  Pacheco.

A qualidade maior, para  o professor, é exercitar um ensino que faz pensar. "As escolas tradicionais formam bonsais humanos. Gente que não sabe ler, raciocinar, que não se envolve socialmente. No Brasil há 24 milhões de analfabetos funcionais.  O processo está errado desde o começo",  diz. As ideias de José Pacheco já ganharam execução prática, bem próxima à escola portuguesa. Ele cita a escola em Cotia, em São Paulo, trabalhada por ele há um ano e meio. "Temos alunos das classes D e E, que ninguém queria. Hoje já contam 400, com mais 150 pedidos de vagas. Encontrei professores sensíveis e inteligentes que abraçaram a ideia", conta. Outra escola em São Paulo, que ele acompanha há quatro anos, logo será a primeira do Brasil a receber um termo de autonomia.

"Eu sei como se cria um criminoso"

José Pacheco acredita que educar é um ato político. Uma percepção que ele teve baseada em sua difícil vivência. "Nasci numa favela. Fui obrigado a trabalhar desde os quatro anos de idade, fui líder de gangue de rua. Eu sei como se cria um criminoso", conta. Quando decidiu mudar de vida, encarou isso como uma "vingança". "Minha vingança seria educar as pessoas  para que ninguém passasse pelo que eu passei. Fui professor, mas vi que as pessoas não aprendiam nada. O erro não era delas, mas meu. Não era problema de aprendizagem, mas de ensinagem", afirma. A Escola da Ponte virou sua bandeira, mesmo que atualmente esteja afastado dela. Por onde passa, Pacheco pergunta: "Vocês querem mudar?". Ele sabe como começar.  

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